26 de dezembro de 2001
Uns dois quilos mais pesado, eu sobrevivi ao Natal. Um Natal meio diferente: menos luzes devido ao "apagão" decretado pelo governo, visando à economia de energia elétrica - o que nos levou a um Natal menos iluminado, menos alegre. Parece haver menos alegria pelo mundo, devido aos ataques terroristas (e nada de se encontrar o tão procurado Osama Bin Laden, apesar da recompensa de 50 milhões de Dólares oferecida pelo governo norte-americano para quem fornecer alguma pista que leve à sua captura); isso para não mencionar a derrubada do governo argentino (o que causa uma certa apreensão entre o povo brasileiro pelas possíveis conseqüências em nossa tão frágil economia), além das taxas de desemprego e violência, que andam perto das estrelas.
Minha mulher continua trabalhando em sua nova loja, e isso inclui sábados e domingos, nessa época de Natal e reveillon. Assim, eu decido pedir asilo político na chácara, para onde vim hoje, acompanhado de meu sogro.
Saímos de São Paulo com um céu cheio de nuvens, mas por aqui as coisa pareciam mais promissoras. E, de fato, fui presenteado com uma noite inicialmente meio nublada mas que, aos poucos, foi limpando até ficar claríssima, devido a uma Lua quase cheia.
Então montei tudo: telescópio, computador, cartas astronômicas, bússola, lanterna... Mas o vento atrapalhou bastante as coisas. E a luz do luar também, pois eu queria mesmo era ver o chamado "céu profundo" (nebulosas, galáxias, enxames, etc.). Tudo regado a Andrea Bocelli que espalhava seu vozeirão pelos alto-falantes do micro, e na companhia inseparável da Pedrita - uma poodle que não larga do meu pé nem por um minuto.
Vi Júpiter com suas quatro luas (mas não fotografei), a Lua e Saturno:
Bonitinha aquela cratera meio alongada, do lado direito, não? Do que se trata? Não sei. Num detalhe maior:
Parece um buraco de traça na capa de um livro... Será que tem traças na Lua?!!!!
Vi também a nebulosa M-42 na constelação de Órion, mas não estava tão bonita (talvez devido à luz da Lua, que era muito intensa) e não era fotografável pela minha web cam. Apenas as principais estrelas de Órion eram fotografáveis, como a estrela Épsilon da constelação (uma das Três Marias - a "Maria do Meio", oficialmente batizada de Ainilam), que, na foto abaixo ficou meio distorcida, com cara de cometa, mas isso se deve apenas à angulação errada da web cam em relação à ocular do telescópio. Na realidade a imagem é perfeitamente circular:
Além disso, persegui Saturno. Não consegui, ainda, ver a divisão de Cassini ( a divisão entre os anéis) - talvez, também, devido ao luar:
Saturno é sempre emocionante. Tem cara de filme de ficção científica - aquelas cenas em que a astronave dos mocinhos vai viajando pelo espaço e passando perto dos planetas...
Pena que as imagens captadas pela web cam deixem muito a desejar: a imagem que se pode ver diretamente pela ocular é muito mais nítida, luminosa e bem definida.
Fui dormir às 3:00, todo molhado pelo orvalho.
27 de dezembro de 2001
Céu nublado. Não se vê nada.
Por não agüentar mais nem pensar em tender e perú que sobraram do Natal, eu vou até a cidade. Para não perder o costume, vou jantar no Mac Donnald's do Shopping de Itú. Então lá estava eu dando uma volta pelo shopping e encontro um Cyber Café. Por falta absoluta do que fazer, eu entro e me instalo num micro, de onde baixo meus e-mails.
Mas, em cima do teclado tem uma formiga. Uma formiguinha daquelas bem pequenininhas, que entra por baixo das teclas, depois dá uma voltinha, e sobe em cima de uma tecla. Depois ela desce e volta a aparecer por cima de outra tecla. E eu teclando, mas com medo de esmagar a pobre coitada entre meu dedo indicador e uma tecla (indicador, pois eu sou daqueles que teclam com dois dedos: indicador e indicador). Já imaginou a formiguinha ficar esmagada justamente entre meu dedo e a tecla "+"... E se ela me der uma picada bem nesse momento... Que coisa mais terrível!
Um dos e-mails falava de Órion: poeira perdida no espaço vazio. Berço estrelar, onde nascem astros celestes. Luz refletida na poeira. Explosões. Energia infinita. Que lindo!
A seguir transcrevo o E-Mail de Rosely Gregio, que é um dos membros mais ativos do CASP (Clube de Astronomia de São Paulo) e com uma bagagem científica digna de um Astrônomo Profissional:
From:
"Rosely Gregio" <gregio@d...> Date: Wed Dec 26, 2001 2:42 pm Subject: Re: [C-A-S-P] Nebulosa de Orion |
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Astrosaudacoes! A nebulosa de Orion é um berço onde estão nascendo novas estrelas e talvez novos sistemas solares similares ao nosso. Descoberta em 1610 pelo astrônomo francês, discípulo de Galileu, Nicola Fabri de Peiresc (1580-1637), a Nebulosa de Orion está classificada no Catálogo Messier sob a sigla M 42, no Novo Catálogo Geral corresponde à NGC 1976. Nuvem de gás, visível a olho desarmado, sob a aparência de uma estrela muito fraca, a Teta de Órion, e que envolve estrelas de alto brilho intrínseco, brancas e azuis. É um cúmulo de gás e poeira que emite uma tênue luminosidade devido a um fenômeno de excitação produzido por estrelas que se encontram em seu interior. Encontra-se ela, como já vimos, na célebre constelação de Orion. Abaixo das três estrelas que formam o Cinturão de Orion (mais conhecidas com as Três Marias) o cinto do mitológico caçador, e pode ser facilmente observada com o auxílio de um binóculo ou com um telescópio de pouca potência. A Nebulosa de Orion aparece como uma claridade leitosa em forma de leque, com um diâmetro aparente ao redor de 20, seis vezes o tamanho da Lua Cheia. Sua magnitude integral é de cerca de 3 mag, mas realmente o objeto não chega a ser distinguido a olho desarmado, salvo em condições de visibilidade excepcionalmente boas, pelo fato de sua luminosidade estar distribuída numa superfície muito plana. No interior desta nebulosa notam-se quatro estrelas muito próximas, conhecidas como o Trapézio de Orion, Orionis, com magnitude respectivas de 5.4, 6.9, 7 e 8. Uma delas é a responsável pelos fenômenos de excitação que produz sobre a nebulosa e que fazem com que seja visível aos nossos olhos. Distante cerca de 1.500 anos-luz da Terra, a Nebulosa de Orion tem um diâmetro aproximado de 25 anos-luz e contém uma quantidade de matéria equivalente a 10 massas solares. Devido ao grande volume em que está massa está distribuída, sua densidade média é extremamente baixa, talvez inferior ao vácuo absoluto (Vácuo - Que não contém nada; oco, despejado, vazio. Espaço, imaginário ou real, não ocupado por coisa alguma; lacuna, vão, vazio. Em Física. Pressão inferior à pressão atmosférica. ) que se pode conseguir em laboratórios. Está tem um importante valor cosmogônico, porque se considera que em algumas regiões da nebulosa estão produzindo-se fenômenos de condensação da matéria muito similares aos que acompanharam a formação da nossa nebulosa solar primitiva. Nos últimos anos também adquiriu uma grande importância no que se refere aos estudos no campo da Astrobiologia, desde em que nela foram localizadas moléculas orgânicas interestelares. Abraços Celestes Rosely - Br. Mococa - lat. 21.27.54 S - Long. 47.00.21 W gregio@d... http://www.constelacoes.hpg.com.br http://membro.intermega.com.br/rgregio/ http://construindobjetos.na-web.net http://www.geocities.com/alnitack_br/ http://membro.intermega.com.br/fenomenos/ |
A seguir uma imagem obtida no site da NASA, que mostra a Nebulosa M-42 ou melhor, a NGC 1976:
A Nebulosa de Órion, quando vista ao meu telescópio, aparece em branco e preto, ou melhor, aparece como uma núvem com a mesma tonalidade da Lua, sob um fundo bem preto. Apesar da falta de cores, não deixa de ser um espetáculo maravilhoso.
30 de dezembro de 2001
O Céu não prometia muito, mas uma janela se abriu. E foi aumentando cada vez mais. A Lua, com sua claridade ofuscante impedia que se pudessem observar detalhes mais tênues do céu. Assim fiquei com os objetos mais evidentes, a começar por Júpiter.
É difícil ver Júpiter sem um acompanhamento motorizado, pois o planeta anda muito rápido. Para quem não sabe, o tal do acompanhamento motorizado, é um mecanismo eletro-mecânico que faz com que, após se localizar um determinado corpo celeste, o telescópio vai girando sozinho, e seguindo a trajetória do objeto escolhido.
Existem alguns modelos que vem acompanhados de um sistema computadorizado, de modo que basta digitar num pequeno aparelhinho o nome do objeto celesete, que o telescópio já aponta diretamente para ele e ainda vai fazendo o acompanhamento.
É assim que se conseguem aquelas fotografias maravilhosas do céu: adapta-se uma máquina fotográfica ao telescópio, e deixa-se a objetiva da máquina aberta por 1 minuto, 10 minutos, duas horas ou o tempo que se desejar, e o telescópio vai acompanhando o objeto celeste. Que barbada, não?
Bem, mas para nós reles mortais, o jeito é ir virando o telescópio na mão. E que mão-de-obra... Ainda mais se se tem acoplada ao telescópio uma web cam. É difícil e exige muita paciência. Os resultados não são brilhantes, mas é um modo de se registrar uma pequena parte do que se vê.
Então vejo Júpiter com suas quatro Luas: Io, Gaminedes, Europa e Callixto. E, para minha surpresa, consigo até fotografar três delas, que naquele momento se encontravam mais próximas do planeta:
A distorção da imagem de Júpiter se deve, como sempre, à inclinação incorreta da web cam em relação à ocular do telescópio (que no caso de todas as fotografias aqui apresentadas era de 25 mm. A web cam é acoplada ao telescópio por meio de elásticos, o que, como se vê, não é um método muito preciso...
Fiz, também 11 fotografias de Júpiter:
Nestas imagens, aparecem halos coloridos, em volta do planeta. Isto aconteceu por eu ter aumentado a saturação de cores da web cam, numa tentativa de fazer aparecer a coloração que tende para o marrom, no interior das linhas diagonais. Na observação direta, pode-se notar uma levíssima tonalidade marrom nestas linhas.
Porém, justiça seja feita: em comparação com as imagens de Júpiter que eu consegui através do meu "velho" Tasco, a coisa está melhorando:
Com as novas imagens, tentei usar a técnica de somar as imagens, sobrepondo-as, com o programa Adobe Photoshop, mas o resultado foi desanimador: as imagens originais, sem dúvida eram melhores:
Voltando à Lua, como não podia deixar de me chamar à atenção, o "Palus Somnii" continuava lá:
Mantendo uma saturação exagerada das cores, fiz algumas fotos do Palus Somnii, que sairam interessantes:
Palus Somnii
Ao estudar as duas imagens acima, me passou pela cabeça a idéia que talvez o meu amigo Palus Somnii não seja um platô horizontal, mas sim um paredão lateral de uma cordilheira montanhosa. Ou, no mínimo, que ele não seja horizontal, mas sim inclinado para um dos lados, como a encosta de uma montanha. Aí está um tema que algum astrônomo experiente talvez possa explicar.
Ainda mantendo a saturação no máximo, obtive a imagem a seguir:
31 de dezembro de 2001
Noite de Reveillon: isso não é noite para se ficar olhando no telescópio. Nessas noites, a gente costuma fazer umas coisas meio esquisitas como comer 12 uvas, pular de uma cadeira segurando um punhado de dólares numa mão e colocando com a outra uma colher de lentilhas na boca, pular sete ondas (se tiver uma praia por perto)... Eu fiz tudo o que tinha direito. Só não pulei as ondas porque na piscina da chácara não tem ondas.
Claro que é uma noite em que muitas pessoas costumam fazer um pequeno balanço do que passou, e eu, bem sinceramente, acho bom que este ano tenha terminado. E rezo para que o próximo seja melhor, com mais paz entre os povos, com mais harmonia entre as pessoas, com mais gente que tenha suas necessidades mais básicas atendidas.
A energia do homem não pode ser desperdiçada em guerras, disputas, desentendimentos, brigas ou mesmo na obsessão em ganhar dinheiro para pagar um monte de contas que nunca tem um fim. A força do homem deve ser dirigida para a sua criatividade, para o seu crescimento, para a construção de uma sociedade que possa viver bem e serenamente.
Eu terminei meu ano olhando para o céu. E foi olhando bem para o centro de Órion, que pedi a Deus que possamos estar mais unidos: pais e filhos; irmãos; casais; amigos; vizinhos; parentes; pessoas; povos. Que possamos realizar as missões que nos foram designadas com alegria, sentindo prazer em viver cada minuto, cada dia, cada ano. Para que quando chegar o momento em que exalaremos o nosso último suspiro, possamos dizer para nós mesmos: VALEU !
Feliz ano novo!